terça-feira, 26 de março de 2019

DOCUMENTOS INÉDITOS REVELAM OS CONTEÚDOS DAS PATENTES DE FRANCISCO ÁLVARES (ALVES) FEITOSA E DE LOURENÇO ÁLVARES (ALVES) FEITOSA

Marcelo Henrique Feitosa Marcelino


Após anos de pesquisa, este blog tem o prazer de trazer ao conhecimento do público as imagens dos registros das cartas patentes, adormecidas por 300 anos nos livros coloniais, de Francisco Álvares (Alves) Feitosa, Coronel da Ribeira do Quixelô e dos Inhamuns, patriarca da Família Feitosa no Ceará, e de Lourenço Álvares (Alves) Feitosa, Comissário-Geral de Cavalaria da Ribeira do Icó do Distrito de Boqueirões:

CARTA DE PATENTE DE FRANCISCO ÁLVARES FEITOSA NO POSTO DE CORONEL DA CAVALARIA DO QUIXELÔ E INHAMUNS1



Segue a transcrição da patente acima, realizada com a atualização da ortografia e a extensão das abreviações:

P. 1
Registro da patente do Coronel Francisco Álvares
Feitosa: passada novamente para confirmação aos 17 de julho 1722


Salvador Álvares da Silva Cavaleiro professo da ordem de nosso
Senhor Jesus Cristo Capitão Maior da Capitania do Ceará a cujo
cargo está o Governo dela por Sua Majestade que Deus guarde faço
saber aos que esta Carta patente virem que por quanto está
vago o posto de Coronel da Cavalaria da ribeira do Quixelô
e Inhamuns, e convir provê-lo em pessoa de satisfação, e mere-
cimentos: tendo eu respeito a que todos estes requisitos concor-
rem na pessoa de Francisco Álvares Feitosa pelo bem que tem

P. 2

tem servido a Sua Majestade que Deus guarde e sendo um dos 
homens nobres e afazendado destas Ribeiras, e ter ocupado
o posto de Alferes, tendo feito muitas entradas a fazer guerra
ao Gentio bárbaro desta Capitania, e indo por cabo das Tropas
com risco de sua vida, e dispêndio de sua fazenda havendo-se
sempre com muito grande valor, e zelo do Real Serviço com muita obe-
diência a seus oficiais maiores, e menores executando prontamente
todas as ordens que por eles lhes foram encarregadas do serviço
de Sua Majestade e por esperar dele que daqui em diante se haverá
da mesma maneira, e muito com o dever, e confiança que faço de sua
pessoa: Hei por bem de eleger, e nomear como pela presente e-
lejo e nomeio / no posto de Coronel da Ribeira do Quixelô, e Inhamuns
com virtude da faculdade que Sua Majestade me concede em carta do
dezessete de dezembro de mil e setecentos, e quinze para poder prover
todos os postos das ordenanças militares desta Capitania para que vis-
to o seja, use, exerça e goze de todas as honras, graças, franquezas e
Liberdades privilégios isenções que em razão do dito posto lhe per-
tencerem, pelo que ordeno a todos os oficiais maiores, e menores do dito
Regimento, e aos soldados seus subordinados o conheçam por tal
Coronel, e lhe obedeçam, cumpram, e guardem suas ordens tan-
to de palavra, como por escrito, tão pontual e inteiramente
como devem e são obrigados. Será obrigado a procurar a con-
firmação desta pelo Governador de Pernambuco no tempo de seis meses
e por esta lhe hei dado a posse e juramento, e para firmeza de tudo
(lhe) mandei passar a presente por mim assinada e selada com
o sinete de minhas armas, e se registrará nos livros da Secretaria
deste Governo. Dada neste arraial de Nossa Senhora do Ó aos
quinze dias do mês de junho eu Manoel de Miranda
a fiz ano de mil setecentos e dezenove. Estava o selo
Salvador Álvares da Silva

A leitura dessa patente revela alguns aspectos interessantes sobre a organização militar e territorial da capitania, bem como da vida do Coronel Francisco, vejamos:
  1. registra-se que o nomeado está recebendo a patente de um cargo vago, sem que fosse mencionado o anterior ocupante – regra nos documentos de igual teor - o que indica que a patente acabara de ser criada pelo capitão-mor governador;
  2. Francisco já ocupava a patente de Alferes, sendo guindado direto ao posto de Coronel de Cavalaria, saltando diversos postos intermediários, tais como tenente, capitão de cavalos, comissário-geral e tenente-coronel. Era a principal autoridade militar da região;
  3. o nomeado é referido como homem de luzimentos nobres2 e afazendado das ribeiras do Quixelô e Inhamuns, indicativo de prestígio social em razão das posses econômicas e, provavelmente, pela tradição militar já iniciada pelo pai João Álvares;
  4. Ao desbravar terras cearenses, o então Alferes Francisco promoveu guerra ao gentio bárbaro (índios), com risco de morte e com gastos próprios, o que lhe rendeu o reconhecimento do Capitão-Mor Governador Salvador Álvares da Silva;
  5. a obtenção do posto militar conferia ao nomeado “honras, graças, franquezas e liberdades privilégios e isenções”, como era a regra de então;
  6. o nomeado deveria procurar a confirmação da carta junto ao Governador de Pernambuco – capitania a qual o Ceará era vinculado - no prazo de seis meses;
  7. a patente foi passada em 15 de junho de 1719 e confirmada em 17 de julho de 1722.

CARTA DE PATENTE DE LOURENÇO ÁLVARES FEITOSA NO POSTO DE COMISSÁRIO-GERAL DA CAVALARIA DA RIBEIRA DO ICÓ3




           Segue a transcrição da patente acima, realizada com a atualização da ortografia e a extensão das abreviações:
P. 1
Registro da patente do Comissário-Geral
Lourenço Álvares Feitosa
Passada novamente por confirmação 17 de julho de 1722

Salvador Álvares da Silva Cavaleiro professo da ordem de nosso Senhor
Jesus Cristo Capitão Maior da Capitania do Ceará a cujo
cargo está o Governo dela por Sua Majestade que Deus guarde esta faço
saber aos que esta carta patente virem que por quanto se acha
vago o posto de Comissário Geral da Cavalaria da Ribeira do Icó
do Distrito dos Boqueirões para cima, e convir muito provê-lo em
pessoa de satisfação e merecimentos: tendo eu respeito a que to-
dos estes requisitos concorrem na pessoa do Alferes Lourenço
Álvares Feitosa, pelo bem que tem servido a Sua Majestade que
Deus guarde tanto por ser um dos homens nobres, e afazendado
como por ter ido por cabo de várias tropas a fazer guerra
ao Gentio bárbaro Levantado com grande risco de vida
e dispêndio de sua fazenda, por cuja causa está está o
Ceará com grande sossego, e ter ocupado o posto de Alferes
de uma Companhia das ordenanças militares de que se ouve
sempre com honrado procedimento e muita obediência aos
seus oficiais maiores, e menores dando inteiro comprimento a todas as ordens
que por eles lhes foram encarregadas do Real serviço, e por es-
perar dele que daqui em diante se haverá da mesma maneira
e muito como deve a confiança que faço de sua pessoa
hei por bem de o eleger e nomear / como pela presente elejo, e nome
io no posto de Comissário Geral da Cavalaria da Ribeira do
Icó do Distrito dos Boqueirões para dentro com virtude da fa-
culdade que Sua Majestade me concede em carta de dezessete
de dezembro de mil e setecentos e quinze, para poder prover todos
os postos das ordenanças militares desta Capitania com o qual

P. 2

o qual posto gozará de todas as honras, graças franquezas

Liberdades privilégios preeminências isenções e liberdades
e honrarias do dito posto lhe pertencerem do qual (haverá)
requerer dentro de seis meses a confirmação pelo Governador
de Pernambuco pelo que ordeno aos oficiais maiores e menores o con-
heçam honrem e o estimem pelo tal Comissário Geral da
Cavalaria, e lhe obedeçam, cumpram e guardem suas ordens
tanto de palavra como por escrito, tão pontual e inteiramente
como devem e são obrigados, e para firmeza da qual lhe mandei pas-
sar a presente por mim assinada e selada com o sinete de
minhas armas a qual se registará nos livros da Secretaria deste Governo
e nos mais a que tocar. Dada neste Arraial de Nossa Senhora do Ó aos vin-
te dias do mês de junho eu Manoel de Miranda a fiz no ano
de mil setecentos e dezenove. Salvador Álvares da Silva esta-
va o selo


A carta patente do Comissário-Geral Lourenço encontra-se em pior estado de conservação se comparada à de Francisco, razão pela qual algumas palavras foram completadas por inferência à do irmão.
Aplicam-se à carta do Comissário, ex-Alferes, as mesmas observações já feitas ao documento do irmão, além das seguintes:
  1. é revelado o agradecimento da Coroa pela guerra que Lourenço teria feito ao gentio bárbaro, razão pela qual a capitania experimentava período de sossego;
  2. embora ocupasse alto posto, estava abaixo do Coronel e Tenente-Coronel, por exemplo;
  3. a patente foi passada em 20 de junho de 1719, cinco dias depois da de Francisco e confirmada na mesma data deste, 17 de julho de 1722.

Uma primeira análise destas cartas também poderia revelar que o irmão mais novo, Francisco, gozaria de maior prestígio em relação ao mais velho, Lourenço, pois teria sido agraciado com patente de maior prestígio.
É preciso que se pondere, todavia, que a Ribeira do Icó, aonde foi lotado Lourenço, era um dos principais centros de povoamento e por ponde circulavam as riquezas da capitania, razão por que a ocupação do posto de Comissário-Geral atendia aos interesses dos dois irmãos, que passaram, assim, a exercer influência deste o sudeste, passando pelo centro-sul, até o sudoeste do território.


Para entender o contexto em que as patentes foram passadas


Século XVII. A Capitania do Ceará era uma das menos povoadas do século brasileiro. Desde as primeiras tentativas de fixação portuguesa por Pero Coelho de Sousa e de Martim Soares Moreno – com a construção de um pequeno forte nas margens do Rio Ceará, o Fortim de São Tiago - o processo de colonização portuguesa engatinhava e o território era, essencialmente, habitado por índios.
O Ceará era um mero entreposto militar entre o Pernambuco e o Maranhão, no qual piratas, corsários e holandeses por vezes aportavam, seja para explorar riquezas naturais – fazendo escambo com os índios, como no caso dos piratas– seja para ocupar militarmente (holandeses, 1637-1644 / 1649-1654)4. Os não-índios se concentravam, basicamente, nas cercanias do Forte de Nossa Senhora da Assunção (antigo Forte de Schoenenbourg, rebatizado após a expulsão dos holandeses).
Esse quadro começa a mudar quando, no final do século, colonizadores do Rio-Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Bahia começam a expandir seus domínios, em corajosas entradas ao sertão cearense, com a justificativa principal de expandir o cultivo de gados vacuns (bovinos) e cavalares, em movimentos que ficaram conhecidos como Sertões de Fora - dominados por pernambucanos, que seguiam a faixa litorânea para depois adentrar no Ceará – e Sertões de Dentro, dominada por baianos, que seguiam do Rio São Francisco até o Rio Parnaíba, ocupando o sul cearense5


Mapa do Ceará, caminho das boiadas, século XVIII6

Os pretendentes deviam, primeiramente, dirigir uma petição ao capitão-mor (governador) da capitania, com a indicação da terra pretendida (acidentes geográficos, como curso de rios ou serras, e eventuais confrontantes já existentes), além dos motivos que julgassem justos para receber a mercê de Portugal e obter uma data (terra), formalizada através de uma carta de sesmaria, o que, desde já, autorizava a posse. Essa carta, por sua vez, precisava ser confirmada pelo rei de Portugal para que pudesse ter sua validade chancelada.
Se o concessionário não tomasse posse das datas no prazo de três anos, a doação prescrevia e o rei ou seus capitães-mores poderiam dispô-las novamente a novos interessados.
Não é difícil imaginar que essa era, provavelmente, a parte mais fácil da empreitada. Era preciso, ainda, lidar com a ausência de estradas ou qualquer estrutura da máquina imperial, lançando-se sobre matas virgens, abrindo caminhos a facões. Antes fossem os obstáculos naturais o maior desafio que lhes aguardava.
O principal empecilho à aventura colonizadora cearense, sem sombra de dúvidas, residia no contato com o “gentio bravio”. Calabaças, kariris, tapuias, caratiús, anacés e jenipapos eram apenas algumas das tribos que, a centenas ou milhares de anos, já ocupava boa parte do território recém-doado pela Corte.
Os portugueses não desconheciam os riscos do contato com os nativos, pois já traziam experiências quando da chegada às capitanias de origem. A custa de muita luta e com a ação efetiva da Igreja, através da catequização, aos poucos o “homem branco” foi se estabelecendo na terra de Iracema. As glebas preferidas situavam-se no curso dos leitos dos rios – donde poderiam, facilmente, obter água para consumo próprio, para seus gados e, em menor escala, realizar a agricultura. Era a pecuária, pois, o motor da atividade comercial cearense, pois o cultivo da cana se restringia, até então, à zona litorânea de Pernambuco e capitanias vizinhas.
Durante algum tempo tentou-se conciliar as duas atividades nas capitanias de Pernambuco e Bahia, mas como o gado, invariavelmente, destruía a plantação de cana, foi preciso o Reino determinar a proibição da pecuária a uma distância inferior a 10 léguas do litoral, por meio de uma carta régia expedida por D. João II, em 1701.
A soma da restrição imperial à própria diminuição de terras disponíveis para doação dentro das capitanias mais desenvolvidas, acrescidas da ambição que caracterizavam tanto o colonizador português, como os primeiros brasileiros, impulsionaram a interiorização sertões a dentro, inclusive o Ceará.
É nesse contexto histórico e social que, em 1707, dois desbravadores alagoanos, os irmãos Lourenço Álvares Feitosa e Francisco Álvares Feitosa, naturais de Penedo, Alagoas (há época vinculada a Pernambuco), vila situada às margens do Rio São Francisco, próxima à confluência com o Oceano Atlântico, obtém uma data de sesmaria às margens do Riacho Vocoró (atual Riacho São João, Icó).
Filhos do português João Álvares Feitosa7 (capitão das ordenanças das milícias d’el Rey8, estabelecido em Penedo) os irmãos já vinham, há alguns anos, tomando o rumo do norte da Capitania de Pernambuco, mais precisamente na vila de Serinhaém, na qual possuíam o sítio Currais de Serinhaém. A atividade era a criação de gado vacum (bovino) para envio para as Gerais (Minas Gerais), terras que, em virtude da descoberta de ouro e do grande aumento de habitantes e do fluxo populacional, não conseguia (ou não queria) produzir o próprio alimento.
Não se sabe, ao certo, quem influenciou Lourenço e Francisco a imigrarem para o Ceará. Antônio Gomes de Freitas9, pesquisador que se dedicou ao estudo dos Inhamuns, região sudoeste do Estado, afirma que Francisco Ferreira Pedrosa, casado com uma filha de Francisco, realizou incursões no Cariri e Inhamuns no início do século XVIII. Pode-se conjecturar que as boas notícias da terra intocada (salvo a presença dos índios Jucás) e pastos abundantes logo tenham sido levadas ao sogro.
Já Aécio Feitosa10, assevera que a dupla fora incitada por João da Fonseca Ferreira, um dos pioneiros habitantes das ribeiras do Icó.
Uma vez em terras cearenses, já abastados de origem, os irmãos foram expandindo suas riquezas e angariando prestígio a ponto de Lourenço Álvares Feitosa ter obtido o expressivo o número de 22 (vinte e duas) sesmarias, tornando-se o maior sesmeiro do Ceará, enquanto que Francisco Álvares Feitosa teria se contentado com “apenas” 5 (cinco). Desbravam terras nunca antes visitadas pelos portugueses; exerceram postos militares; guerrearam com índios e com outros sesmeiros; participaram, ativamente, do processo de interiorização de um país que embora não o fosse recém-descoberto, ainda era, em sua imensa maioria, um gigante desconhecido.
Grande parte desta história foi transmitida ao logo de séculos pela tradição oral familiar, bem como foi contada em obras de cronistas e pesquisadores como Pedro Tenente, Pedro Thebérge, Tristão de Alencar Araripe, Barão de Studart, Hugo Catunda, João Brígido, Antônio Bezerra, Leonardo Feitosa, dentre outros.
O historiógrafo, naturalista e poeta Antônio Bezerra11 inaugurou a fase da pesquisa positivista da historiografia cearense. Na sua obra Algumas origens do Ceará, cita o “Requerimento do povo ao Capitão-mór Manoel Francez”, no qual situava Lourenço Álvares como Comissário da Cavalaria, enquanto que Francisco seria “Coronel da Cavalaria das Ribeiras do Quixelou e dos Inhamus”, patentes concedidas em 1719.
Antônio Gomes de Freitas12, por seu turno, narrou o episódio de concessão das cartas patentes com um misto de poesia e descritivismo impressionantes, confira-se:

O estrugir da roqueira naquela manhã de fim de inverno, de um dia de junho de 1719, ecoava nas quebradas distantes, anunciando aos pacatos moradores do Arraial de Nossa Senhora do Ó (Icó) a aproximação da comitiva do Governador da Capitania do Ceará Grande — Salvador Alves da Silva.
A recepção a que fazia jus personalidade de tamanha importância, prepara-a o povo, com alegria e dedicação. Casas embandeiradas, trajes dominiqueiros, inquietação festiva e nas cozinhas da "nobreza" a azáfama de mucambas e "sinhás", na disputa das iguarias para o "banquete".
O povo, voltado para o aparato da "grandeza" presente, exultava, mas alguém no meio do povo trazia o coração referto de grande satisfação. O governante não andava apenas conhecendo as paragens dispersas de sua jurisdição. Na maca conduzia mercês de toda a sorte. Eram títulos honoríficos e despachos de concessões sesmáricas.
O representante do Rei, nas margens do Salgado, entre o colono rústico e a Indiada esquiva, percebia bem naquele "Viva o nosso Poderosíssimo Rei D. João V!" o entusiasmo de seus governados e a voz de comando que os animava. Amigo íntimo do Padre José Ferreira Gondim, vigário de Goiana e vice-vigário de Recife, olhava com especial deferência para os parentes destes promotores dos mais ardentes, da festividade.
Quando no salão "nobre" de piso de terra batida de uma grande casa de taipa, coberta de telha, se desafivelaram as correias da maca governamental, brotaram da papelama os títulos de Sargento-Mor para o ajudante Francisco Ferreira Pedrosa e de Comissário-Geral para Lourenço Alves Feitosa (promovido de simples Alferes) e para Francisco Alves Feitosa a patente de Coronel de Cavalaria. O primeiro era irmão, o segundo, cunhado do padre vigário de Goiana. E, assim, por amizade reflexa, surdia o poderio dos homens que no mesmo instante eram investidos das funções de Cabos das Ribeiras dos Inhamuns e do Qulxeló (INÉDITOS, do Barão de Studart).
Não apenas Salvador Alves da Silva, também o seu sucessor Manuel Francês, pessoa ligada ao Vigário de Goiana, cumulou Francisco Ferreira Pedrosa e Lourenço Alves Feitosa com muitas sesmarias, vastidões imensas de terra por todo o interior cearense. O homem do São Francisco e o paraibano se transformaram em verdadeiros donos dos sertões cearenses.

Todavia, embora parte destes autores tenha descrito eventos e documentos com uma riqueza de detalhes que legitimavam a crença de suas ocorrências/existências, sua não divulgação aos leitores e ao grande público sempre frustrou àqueles que, sob uma acepção histórica, se filiam à escola positivista ou que, sob o prisma sociológico, adotam o lema do “ver para crer”.
Felizmente, uma cadeia de abnegados que teimam em remar contra a maré, num país que desconhece a própria História, tem usado do avanço tecnológico para resgatar documentos que estavam ocultos d’além mar, mais precisamente nos arquivos lusitanos.
A partir do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, resgatou-se uma quantidade significativa de documentos que estavam arquivados no Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, o que vem propiciando à comunidade acadêmica a elaboração de novos estudos sobre a história nacional, nordestina e cearense.
Entretanto, muito ainda se encontra perdido ou extraviado nos escaninhos dos arquivos, bibliotecas e demais repartições estatais, sujeitos à ação do tempo, das traças e dos cupins, mas sobretudo, da desfaçatez daqueles que preferem manter o povo sob o véu da ignorância.
Durante anos, estudiosos e pesquisadores especializados no estudo da família procuraram os originais que atestassem as informações de Antônio Bezerra.
Dentre os valiosos documentos resgatados de Portugal, foi encontrada a confirmação da patente de Coronel de Infantaria concedida a Francisco Álvares Feitosa, o que gerou dúvidas sobre as afirmações de Antônio Bezerra, seja pela divergência das armas (infantaria, em vez de cavalaria), seja pela data de concessão (1727-1729, em vez de 1719)13.
Seguindo a pista de um desses abnegados, contando com a valiosa colaboração do pesquisador Licínio Nunes de Miranda, foi possível fotografar dois importantes documentos que guardam as patentes de Lourenço Álvares Feitosa e de Francisco Álvares Feitosa, as quais foram reproduzidas acima.
Em 1725, após o embate com a Família Montes, os irmãos tiveram suas patentes cassadas. Francisco adquiriu outra carta entre os anos de 1727 a 1729, na vigência da administração do Capitão-Mor João Batista Furtado, desta vez com o posto de Coronel da Infantaria da Ribeira dos Inhamuns (vide nota 13).
A revelação das imagens e do conteúdo dessas cartas patentes, além de fazer justiça aos pesquisadores de outrora, resgata mais um episódio importante da história da Família Feitosa, bem como da própria história da Capitania do Ceará.
Esperamos, assim, que esta modesta contribuição possa instigar novas pessoas a ler, estudar e difundir seu conteúdo e, por que não, estimular a produção de novos estudiosos no tema.

1 REGISTO da patente do coronel Fran.co [Francisco] Alz’. [Álvares] Feitosa, 15 de junho de 1719. Passada novam.te [novamente] p. [para] confirmação aos 17 de julho de 1722. 
2 A expressão “luzimentos nobres” era utilizada em praticamente todas as patentes e tinha sua origem na expressão "luzir", que significa brilho.
3 REGISTRO da patente do comisario g.al (geral) L.co [Lourenço] Alz.’ [Álvares] Feitosa, 20 de junho de 1719. Passada novam.te [novamente] p. [para] confirmação aos 17 de julho de 1722.
4 FARIAS, Airton de. História do Ceará – 7. ed., rev. e amp. - Fortaleza: Armazém da Cultura, 2018, p. 23-24.
5 Ibidem, p. 34.
6 JUCÁ NETO, Clovis. A urbanização do Ceará Setecentista. As vilas de Nossa Senhora da Expectação do Icó e de Santa Cruz do Aracati. Tese de Doutorado – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.
7 FEITOSA, Leonardo. Tratado Genealógico da Família Feitosa – 4. ed., fac. Sim. - Fortaleza: Arquivo da Família Feitosa/Gráfica Canindé, 2011, p. 09.
8 MACEDO, Heitor Feitosa. Origens das Famílias Alves Feitosa e Ferreira Ferro: Portugal e Brasil - Disponível em: http://estoriasehistoria-heitor.blogspot.com/2018/. Acesso em 25.mar.2019.
9 FREITAS, Antônio Gomes de. Inhamuns (terras e homens) ed. fac. sim. - Fortaleza: Ed. Mandacaru, 2008, p. 39-40.
10 FEITOSA, Aecio. Casamentos celebrados nas Capelas, Igrejas e Fazendas dos Inhamuns (1756-1801): História da família Feitosa. (Monografia). Canindé, 2009, p. 62.
11 BEZERRA, Antônio. Algumas Origens do Ceará. Fortaleza: Fundação Waldemar Alcântara, 2009, p. 132 e 213. (coleção Biblioteca Básica Cearense)
12FREITAS, Antônio Gomes de. Op. cit., p. 91-92.
13 MACEDO, Heitor Feitosa. Documentos inéditos: (i) confirmação de carta patente do coronel Francisco Alves Feitosa - Disponível em: http://estoriasehistoria-heitor.blogspot.com/2012/04/. Acesso em 25.mar.2019.

Apresentação


Caro leitor,


É com imensa satisfação que iniciamos História & Genealogia, um blog que pretende apresentar, discutir e rediscutir, democraticamente, personagens e fatos que marcaram a história do Ceará e do Brasil, mais notadamente os que se relacionam à Família Feitosa e àquelas que com ela se entrelaçaram.
Pensamos, assim, dar uma modesta contribuição para a preservação da história dos Inhamuns e do Ceará e, por que não dizer, do Brasil.
Logo na estreia, trazemos à baila importantes documentos que confirmam aspatentes de dois personagens que participaram, ativamente, do processo de colonização da Capitania do Ceará.
Leiam, discutam, comentem. Deixem suas críticas e sugestões sobre temas que desejam ver publicados!
Em Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, aos 26 dias de março de 2019.



Marcelo Henrique Feitosa Marcelino

Para a História de Tauá: traços biográficos de Benone Teles de Sousa Vale, primeiro intendente municipal.

No próximo dia 03 de maio a cidade de Tauá, situada na região dos Inhamuns, sudoeste do Ceará, completará 222 anos de existência. Para comem...