Marcelo Henrique Feitosa Marcelino
Após
anos de pesquisa, este
blog tem o prazer de
trazer ao conhecimento do público as
imagens dos
registros
das cartas patentes,
adormecidas
por 300 anos nos livros coloniais, de Francisco Álvares (Alves) Feitosa,
Coronel da Ribeira do Quixelô e dos Inhamuns, patriarca da Família
Feitosa no Ceará, e de Lourenço Álvares (Alves) Feitosa, Comissário-Geral
de Cavalaria da Ribeira do Icó do Distrito de Boqueirões:
CARTA
DE PATENTE DE FRANCISCO ÁLVARES FEITOSA NO POSTO DE CORONEL DA
CAVALARIA DO
QUIXELÔ
E
INHAMUNS1
Segue
a transcrição da patente acima, realizada com a atualização da
ortografia e a extensão das abreviações:
P. 1
Registro
da patente do Coronel Francisco Álvares
Feitosa:
passada novamente para confirmação aos 17 de julho 1722
Salvador
Álvares da Silva Cavaleiro professo da ordem de nosso
Senhor
Jesus Cristo Capitão Maior da Capitania do Ceará a cujo
cargo
está o Governo dela por Sua Majestade que Deus guarde faço
saber
aos que esta Carta patente virem que por quanto está
vago
o posto de Coronel da Cavalaria da ribeira do Quixelô
e
Inhamuns, e convir provê-lo em pessoa de satisfação, e mere-
cimentos:
tendo eu respeito a que todos estes requisitos concor-
rem
na pessoa de Francisco Álvares Feitosa pelo bem que tem
P. 2
tem
servido a Sua
Majestade que Deus guarde e sendo um dos
homens nobres e afazendado destas Ribeiras, e ter ocupado
homens nobres e afazendado destas Ribeiras, e ter ocupado
o
posto de Alferes, tendo feito muitas entradas a fazer guerra
ao Gentio bárbaro desta Capitania, e indo por cabo das Tropas
com
risco de sua vida, e dispêndio de sua fazenda havendo-se
sempre
com muito grande valor, e zelo do Real Serviço com muita obe-
diência
a seus oficiais maiores, e menores executando prontamente
todas
as ordens que por eles lhes foram encarregadas do serviço
de
Sua Majestade e por esperar dele que daqui em diante se haverá
da
mesma maneira, e muito com o dever, e confiança que faço de sua
pessoa:
Hei por bem de eleger, e nomear como pela presente e-
lejo
e nomeio / no posto de Coronel da Ribeira do Quixelô, e Inhamuns
com virtude da faculdade que Sua Majestade me concede em carta do
dezessete
de dezembro de mil e setecentos, e quinze para poder prover
todos
os postos das ordenanças militares desta Capitania para que vis-
to o seja, use, exerça e goze de todas as honras, graças, franquezas e
Liberdades
privilégios isenções que em razão do dito posto lhe per-
tencerem,
pelo que ordeno a todos os oficiais maiores, e menores do dito
Regimento,
e aos soldados seus subordinados o conheçam
por tal
Coronel,
e lhe obedeçam, cumpram, e guardem suas ordens tan-
to
de palavra, como por escrito, tão pontual e inteiramente
como
devem e são obrigados. Será obrigado a procurar a con-
firmação
desta pelo Governador de Pernambuco no tempo de seis meses
e
por esta lhe hei dado a
posse
e juramento, e para
firmeza de tudo
(lhe)
mandei passar a presente
por mim assinada e selada com
o
sinete de minhas armas, e se registrará
nos livros da Secretaria
deste
Governo. Dada neste arraial de Nossa Senhora do Ó aos
quinze
dias do mês de junho eu Manoel de Miranda
a
fiz ano de mil setecentos e dezenove.
Estava
o selo
Salvador
Álvares da Silva
A leitura dessa patente revela alguns aspectos interessantes sobre a organização militar e territorial da capitania, bem como da vida do Coronel Francisco, vejamos:
-
registra-se que o nomeado está recebendo a patente de um cargo vago, sem que fosse mencionado o anterior ocupante – regra nos documentos de igual teor - o que indica que a patente acabara de ser criada pelo capitão-mor governador;
-
Francisco já ocupava a patente de Alferes, sendo guindado direto ao posto de Coronel de Cavalaria, saltando diversos postos intermediários, tais como tenente, capitão de cavalos, comissário-geral e tenente-coronel. Era a principal autoridade militar da região;
-
o nomeado é referido como homem de luzimentos nobres2 e afazendado das ribeiras do Quixelô e Inhamuns, indicativo de prestígio social em razão das posses econômicas e, provavelmente, pela tradição militar já iniciada pelo pai João Álvares;
-
Ao desbravar terras cearenses, o então Alferes Francisco promoveu guerra ao gentio bárbaro (índios), com risco de morte e com gastos próprios, o que lhe rendeu o reconhecimento do Capitão-Mor Governador Salvador Álvares da Silva;
-
a obtenção do posto militar conferia ao nomeado “honras, graças, franquezas e liberdades privilégios e isenções”, como era a regra de então;
-
o nomeado deveria procurar a confirmação da carta junto ao Governador de Pernambuco – capitania a qual o Ceará era vinculado - no prazo de seis meses;
-
a patente foi passada em 15 de junho de 1719 e confirmada em 17 de julho de 1722.
CARTA DE PATENTE DE LOURENÇO ÁLVARES FEITOSA NO POSTO DE COMISSÁRIO-GERAL DA CAVALARIA DA RIBEIRA DO ICÓ3
Segue a transcrição da patente acima, realizada com a atualização da ortografia e a extensão das abreviações:
P. 1
Registro
da patente do Comissário-Geral
Lourenço
Álvares Feitosa
Passada
novamente por
confirmação 17 de julho de 1722
Salvador
Álvares da Silva Cavaleiro professo da ordem de nosso Senhor
Jesus Cristo Capitão Maior da Capitania do Ceará a cujo
Jesus Cristo Capitão Maior da Capitania do Ceará a cujo
cargo
está o Governo dela por Sua Majestade que Deus guarde esta faço
saber
aos que esta carta patente virem que por quanto se acha
vago
o posto de Comissário
Geral da
Cavalaria
da Ribeira
do Icó
do
Distrito dos Boqueirões para cima, e convir muito provê-lo em
pessoa
de satisfação e merecimentos: tendo eu respeito a que to-
dos
estes requisitos concorrem na pessoa do Alferes Lourenço
Álvares Feitosa, pelo bem que tem servido a Sua Majestade
que
Deus
guarde tanto por ser um dos homens nobres, e afazendado
como
por ter ido por cabo de várias tropas a fazer guerra
ao Gentio bárbaro Levantado com grande risco de vida
e
dispêndio de sua fazenda, por cuja causa está está o
Ceará
com grande sossego, e ter ocupado o posto de Alferes
de uma Companhia das ordenanças militares de que se ouve
sempre
com honrado procedimento e muita obediência aos
seus oficiais maiores, e menores dando inteiro comprimento a todas as ordens
seus oficiais maiores, e menores dando inteiro comprimento a todas as ordens
que
por eles lhes foram encarregadas do Real serviço, e por es-
perar
dele que daqui em diante se haverá da mesma maneira
e
muito como deve a confiança que faço de sua pessoa
hei
por bem de o eleger e nomear / como pela presente elejo, e nome
io no posto de Comissário Geral da Cavalaria da Ribeira do
io no posto de Comissário Geral da Cavalaria da Ribeira do
Icó
do Distrito dos Boqueirões para dentro com virtude da fa-
culdade que Sua Majestade me concede em carta de dezessete
de
dezembro de mil e setecentos e quinze, para
poder prover
todos
os
postos das ordenanças militares desta Capitania com o qual
P.
2
o
qual posto gozará de todas as honras, graças franquezas
Liberdades
privilégios preeminências isenções e liberdades
e
honrarias do dito posto lhe pertencerem do qual (haverá)
requerer
dentro de seis meses a confirmação pelo Governador
de
Pernambuco pelo que ordeno aos oficiais maiores e menores o con-
heçam honrem e o estimem pelo tal Comissário Geral da
Cavalaria,
e lhe obedeçam, cumpram e guardem suas ordens
tanto
de palavra como por escrito, tão pontual e inteiramente
como
devem e são obrigados, e para
firmeza da qual
lhe mandei
pas-
sar
a presente por mim assinada e selada com o sinete de
minhas
armas a qual se registará nos livros da Secretaria
deste Governo
e
nos mais a que tocar. Dada neste Arraial de Nossa Senhora do Ó aos
vin-
te
dias do mês de junho eu
Manoel de Miranda a fiz no ano
de
mil setecentos e dezenove. Salvador Álvares da Silva esta-
va
o selo
A
carta patente do
Comissário-Geral Lourenço encontra-se em pior estado de conservação
se comparada à
de Francisco, razão pela qual algumas palavras foram completadas por
inferência à do
irmão.
Aplicam-se
à carta do Comissário, ex-Alferes, as mesmas observações já
feitas ao documento do irmão, além das seguintes:
-
é revelado o agradecimento da Coroa pela guerra que Lourenço teria feito ao gentio bárbaro, razão pela qual a capitania experimentava período de sossego;
-
embora ocupasse alto posto, estava abaixo do Coronel e Tenente-Coronel, por exemplo;
-
a patente foi passada em 20 de junho de 1719, cinco dias depois da de Francisco e confirmada na mesma data deste, 17 de julho de 1722.
Uma
primeira análise destas cartas também poderia revelar que o irmão
mais novo, Francisco, gozaria de maior prestígio em relação ao
mais velho, Lourenço, pois teria sido agraciado com patente de maior
prestígio.
É
preciso que se pondere, todavia, que a Ribeira do Icó, aonde foi
lotado Lourenço, era um dos principais centros de povoamento e por
ponde circulavam as riquezas da capitania, razão por que a ocupação
do posto de Comissário-Geral atendia aos interesses dos dois irmãos,
que passaram, assim, a exercer influência deste o sudeste, passando
pelo centro-sul, até o sudoeste do território.
Para
entender o contexto em que as patentes foram passadas
Século
XVII. A Capitania do Ceará era uma das menos povoadas do século
brasileiro. Desde as primeiras tentativas de fixação portuguesa por
Pero Coelho de Sousa e de Martim Soares Moreno – com a construção
de um pequeno forte nas margens do Rio Ceará, o Fortim de São Tiago
- o processo de colonização portuguesa engatinhava e o território
era, essencialmente, habitado por índios.
O
Ceará era um mero entreposto militar entre o Pernambuco e o
Maranhão, no qual piratas, corsários e holandeses por vezes
aportavam, seja para explorar riquezas naturais – fazendo escambo
com os índios, como no caso dos piratas– seja para ocupar
militarmente (holandeses, 1637-1644 / 1649-1654)4.
Os não-índios se concentravam, basicamente, nas cercanias do Forte
de Nossa Senhora da Assunção (antigo Forte de Schoenenbourg,
rebatizado após a expulsão dos holandeses).
Esse
quadro começa a mudar quando, no final do século, colonizadores do
Rio-Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Bahia começam a expandir
seus domínios, em corajosas entradas ao sertão cearense, com a
justificativa principal de expandir o cultivo de gados vacuns
(bovinos) e cavalares,
em movimentos que ficaram conhecidos como Sertões de Fora -
dominados por pernambucanos, que seguiam a faixa litorânea para
depois adentrar no Ceará – e Sertões de Dentro, dominada por
baianos, que seguiam do Rio São Francisco até o Rio Parnaíba,
ocupando o sul cearense5.
Mapa do Ceará, caminho das boiadas, século XVIII6
Os
pretendentes deviam, primeiramente, dirigir uma petição ao
capitão-mor (governador) da capitania, com a indicação da terra
pretendida (acidentes geográficos, como curso de rios ou serras, e
eventuais confrontantes já existentes), além dos motivos que
julgassem justos para receber a mercê de Portugal e obter uma data
(terra), formalizada através de uma carta de sesmaria, o que, desde
já, autorizava a posse. Essa carta, por sua vez, precisava ser
confirmada pelo rei de Portugal para que pudesse ter sua validade
chancelada.
Se
o concessionário não tomasse posse das datas no prazo de três
anos, a doação prescrevia e o rei ou seus capitães-mores poderiam
dispô-las novamente a novos interessados.
Não
é difícil imaginar que essa era, provavelmente, a parte mais fácil
da empreitada. Era preciso, ainda, lidar com a ausência de estradas
ou qualquer estrutura da máquina imperial, lançando-se sobre matas
virgens, abrindo caminhos a facões. Antes fossem os obstáculos
naturais o maior desafio que lhes aguardava.
O
principal empecilho à aventura
colonizadora cearense,
sem sombra de dúvidas, residia no contato com o “gentio bravio”.
Calabaças, kariris, tapuias, caratiús, anacés e jenipapos eram
apenas algumas das tribos que, a centenas ou milhares de anos, já
ocupava boa parte do território recém-doado pela Corte.
Os
portugueses não desconheciam os riscos do contato com os nativos,
pois já traziam experiências quando da chegada às capitanias de
origem. A custa de muita luta e com a ação efetiva da Igreja,
através da catequização, aos poucos o “homem branco” foi se
estabelecendo na terra de Iracema. As glebas preferidas situavam-se
no curso dos leitos dos rios – donde poderiam, facilmente, obter
água para consumo próprio, para seus gados e, em menor escala,
realizar a agricultura. Era a pecuária, pois, o motor da atividade
comercial cearense, pois o cultivo da cana se restringia, até então,
à zona litorânea de Pernambuco e capitanias vizinhas.
Durante
algum tempo tentou-se conciliar as duas atividades nas capitanias de
Pernambuco e Bahia, mas como o gado, invariavelmente, destruía a
plantação de cana, foi preciso o Reino determinar a proibição da
pecuária a uma distância inferior a 10 léguas do litoral, por meio
de uma carta régia expedida por D. João II, em 1701.
A
soma da restrição imperial à própria diminuição de terras
disponíveis para doação dentro das capitanias mais desenvolvidas,
acrescidas da ambição que caracterizavam tanto o colonizador
português, como os primeiros brasileiros, impulsionaram a
interiorização sertões a dentro, inclusive o Ceará.
É
nesse contexto histórico e social que, em 1707, dois desbravadores
alagoanos, os irmãos Lourenço Álvares Feitosa e Francisco Álvares
Feitosa, naturais de Penedo, Alagoas (há época vinculada a
Pernambuco), vila situada às margens do Rio São Francisco, próxima
à confluência com o Oceano Atlântico, obtém uma data de sesmaria
às margens do Riacho Vocoró (atual Riacho São João, Icó).
Filhos
do português João Álvares Feitosa7
(capitão das ordenanças das milícias d’el Rey8,
estabelecido em Penedo) os irmãos já vinham, há alguns anos,
tomando o rumo do norte da Capitania de Pernambuco, mais precisamente
na vila de Serinhaém, na qual possuíam o sítio Currais de
Serinhaém. A atividade era a criação de gado vacum
(bovino)
para
envio para as Gerais (Minas Gerais), terras que, em virtude da
descoberta de ouro e do grande aumento de habitantes e do fluxo
populacional, não conseguia (ou não queria) produzir o próprio
alimento.
Não
se sabe, ao certo, quem influenciou Lourenço e Francisco a imigrarem
para o Ceará. Antônio Gomes de Freitas9,
pesquisador que se dedicou ao estudo dos Inhamuns, região sudoeste
do Estado, afirma que Francisco Ferreira Pedrosa, casado com uma
filha de Francisco, realizou incursões no Cariri e Inhamuns no
início do século XVIII. Pode-se conjecturar que as boas notícias
da terra intocada (salvo a presença dos índios Jucás) e pastos
abundantes logo tenham sido levadas ao sogro.
Já
Aécio Feitosa10,
assevera que a dupla fora incitada por João da Fonseca Ferreira, um
dos pioneiros habitantes das ribeiras do Icó.
Uma
vez em terras cearenses, já abastados de origem, os irmãos foram
expandindo suas riquezas e angariando prestígio a ponto de Lourenço
Álvares Feitosa ter obtido o expressivo o número de 22 (vinte
e duas) sesmarias,
tornando-se o maior sesmeiro do Ceará, enquanto que Francisco
Álvares Feitosa teria se contentado com “apenas” 5 (cinco).
Desbravam terras nunca antes visitadas pelos portugueses; exerceram
postos militares; guerrearam com índios e com outros sesmeiros;
participaram, ativamente, do processo de interiorização de um país
que embora não o fosse recém-descoberto, ainda era, em sua imensa
maioria, um gigante desconhecido.
Grande
parte desta história foi transmitida ao logo de séculos pela
tradição oral familiar, bem como foi contada em obras de cronistas
e pesquisadores como Pedro Tenente, Pedro Thebérge, Tristão de
Alencar Araripe, Barão de Studart, Hugo Catunda, João Brígido,
Antônio Bezerra, Leonardo Feitosa, dentre outros.
O
historiógrafo, naturalista e poeta Antônio Bezerra11
inaugurou a fase da pesquisa positivista da historiografia cearense.
Na sua obra Algumas
origens do Ceará, cita o “Requerimento do povo ao Capitão-mór Manoel Francez”, no qual
situava Lourenço Álvares como Comissário da Cavalaria, enquanto
que Francisco seria “Coronel da Cavalaria das Ribeiras do Quixelou
e dos Inhamus”, patentes concedidas em 1719.
Antônio
Gomes de Freitas12,
por seu turno, narrou o episódio de concessão das cartas patentes
com um misto de poesia e descritivismo impressionantes, confira-se:
O
estrugir da roqueira naquela manhã de fim de inverno, de um dia de
junho de 1719, ecoava nas quebradas distantes, anunciando aos pacatos
moradores do Arraial de Nossa Senhora do Ó (Icó) a aproximação da
comitiva do Governador da Capitania do Ceará Grande — Salvador
Alves da Silva.
A
recepção a que fazia jus personalidade de tamanha importância,
prepara-a o povo, com alegria e dedicação. Casas embandeiradas,
trajes dominiqueiros, inquietação festiva e nas cozinhas da
"nobreza" a azáfama de mucambas e "sinhás",
na disputa das iguarias para o "banquete".
O
povo, voltado para o aparato da "grandeza" presente,
exultava, mas alguém no meio do povo trazia o coração referto de
grande satisfação. O governante não andava apenas conhecendo as
paragens dispersas de sua jurisdição. Na maca conduzia mercês de
toda a sorte. Eram títulos honoríficos e despachos de concessões
sesmáricas.
O
representante do Rei, nas margens do Salgado, entre o colono rústico
e a Indiada esquiva, percebia bem naquele "Viva o nosso
Poderosíssimo Rei D. João V!" o entusiasmo de seus governados
e a voz de comando que os animava. Amigo íntimo do Padre José
Ferreira Gondim, vigário de Goiana e vice-vigário de Recife, olhava
com especial deferência para os parentes destes promotores dos mais
ardentes, da festividade.
Quando
no salão "nobre" de piso de terra batida de uma grande
casa de taipa, coberta de telha, se desafivelaram as correias da maca
governamental, brotaram da papelama os títulos de Sargento-Mor para
o ajudante Francisco Ferreira Pedrosa e de Comissário-Geral para
Lourenço Alves Feitosa (promovido de simples Alferes) e para
Francisco Alves Feitosa a patente de Coronel de Cavalaria. O primeiro
era irmão, o segundo, cunhado do padre vigário de Goiana. E, assim,
por amizade reflexa, surdia o poderio dos homens que no mesmo
instante eram investidos das funções de Cabos das Ribeiras dos
Inhamuns e do Qulxeló (INÉDITOS, do Barão de Studart).
Não
apenas Salvador Alves da Silva, também o seu sucessor Manuel
Francês, pessoa ligada ao Vigário de Goiana, cumulou Francisco
Ferreira Pedrosa e Lourenço Alves Feitosa com muitas sesmarias,
vastidões imensas de terra por todo o interior cearense. O homem do
São Francisco e o paraibano se transformaram em verdadeiros donos
dos sertões cearenses.
Todavia,
embora parte destes autores tenha
descrito
eventos e documentos com uma riqueza de detalhes que legitimavam a
crença de suas ocorrências/existências, sua não divulgação aos
leitores e ao grande público sempre frustrou àqueles que, sob uma
acepção histórica, se filiam à escola positivista ou que, sob o
prisma sociológico, adotam o lema do “ver para crer”.
Felizmente,
uma cadeia de abnegados que teimam em remar contra a maré, num país
que desconhece a própria História, tem usado do avanço tecnológico
para resgatar documentos que estavam ocultos d’além mar, mais
precisamente nos arquivos lusitanos.
A
partir do Projeto Resgate Barão do Rio Branco, resgatou-se uma
quantidade significativa de documentos que estavam arquivados no
Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa, o que vem propiciando à
comunidade acadêmica a elaboração de novos estudos sobre a
história nacional, nordestina e cearense.
Entretanto,
muito ainda se encontra perdido ou extraviado nos escaninhos dos
arquivos, bibliotecas e demais repartições estatais, sujeitos à
ação do tempo, das traças e dos cupins, mas sobretudo, da
desfaçatez daqueles que preferem manter o povo sob o véu da
ignorância.
Durante
anos, estudiosos e pesquisadores especializados no estudo da família
procuraram os originais que atestassem as informações de Antônio
Bezerra.
Dentre
os valiosos documentos resgatados de Portugal, foi encontrada a
confirmação da patente de Coronel
de Infantaria
concedida a Francisco Álvares Feitosa, o que gerou dúvidas
sobre as afirmações de Antônio Bezerra, seja pela divergência das
armas (infantaria, em vez de cavalaria), seja pela data de concessão (1727-1729, em vez de 1719)13.
Seguindo
a pista de um desses abnegados, contando com a valiosa colaboração
do pesquisador Licínio Nunes de Miranda, foi possível fotografar
dois importantes documentos que guardam as patentes de Lourenço
Álvares Feitosa e de Francisco Álvares Feitosa, as quais foram
reproduzidas acima.
Em
1725, após o embate com a Família Montes, os irmãos tiveram suas
patentes cassadas. Francisco adquiriu outra carta entre os anos de 1727 a 1729, na vigência da administração do Capitão-Mor João Batista Furtado, desta vez
com o posto de Coronel da Infantaria da Ribeira dos Inhamuns (vide
nota 13).
A
revelação das imagens
e do conteúdo dessas
cartas patentes, além
de fazer justiça aos pesquisadores de outrora, resgata mais um episódio importante da
história da Família Feitosa, bem como da própria história da
Capitania do Ceará.
Esperamos,
assim, que esta
modesta contribuição possa
instigar
novas pessoas a ler,
estudar e difundir seu conteúdo e, por que não, estimular a produção de novos
estudiosos no tema.
1 REGISTO
da patente do coronel Fran.co [Francisco] Alz’. [Álvares]
Feitosa, 15 de junho de 1719. Passada novam.te [novamente] p. [para]
confirmação aos 17 de julho de 1722.
2
A expressão “luzimentos nobres” era
utilizada em praticamente todas as patentes e tinha sua origem na expressão "luzir", que significa brilho.
3 REGISTRO
da patente do comisario g.al (geral) L.co [Lourenço]
Alz.’ [Álvares] Feitosa, 20 de junho de 1719. Passada novam.te [novamente] p. [para] confirmação aos 17 de julho de 1722.
4
FARIAS, Airton de. História do Ceará – 7. ed., rev. e
amp. - Fortaleza: Armazém da Cultura, 2018, p. 23-24.
5
Ibidem, p. 34.
6 JUCÁ NETO, Clovis. A urbanização do Ceará Setecentista. As vilas de Nossa Senhora da Expectação do Icó e de Santa Cruz do Aracati. Tese de Doutorado – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2007.
7
FEITOSA, Leonardo. Tratado Genealógico da Família Feitosa –
4. ed., fac. Sim. - Fortaleza: Arquivo da Família Feitosa/Gráfica
Canindé, 2011, p. 09.
8
MACEDO, Heitor Feitosa. Origens das Famílias Alves Feitosa e
Ferreira Ferro: Portugal e Brasil - Disponível em:
http://estoriasehistoria-heitor.blogspot.com/2018/.
Acesso em 25.mar.2019.
9
FREITAS, Antônio Gomes de. Inhamuns (terras e homens) –
ed. fac. sim. - Fortaleza: Ed. Mandacaru, 2008, p. 39-40.
10 FEITOSA,
Aecio. Casamentos celebrados nas Capelas, Igrejas e Fazendas dos
Inhamuns (1756-1801): História da família Feitosa.
(Monografia). Canindé, 2009, p. 62.
11
BEZERRA, Antônio. Algumas Origens do Ceará. Fortaleza:
Fundação Waldemar Alcântara, 2009, p. 132 e 213. (coleção
Biblioteca Básica Cearense)
12FREITAS,
Antônio Gomes de. Op. cit.,
p. 91-92.




